Infelizmente, o Japão não é exatamente um exemplo de políticas públicas e inclusão social para pessoas PCD ou neurodivergentes. Obras como A Voz do Silêncio já expuseram de forma sensível e dolorosa como a sociedade japonesa muitas vezes falha em acolher indivíduos com necessidades especiais, reproduzindo exclusão e preconceito em vez de oferecer empatia.
Justamente por isso, Totto-chan: A Menina da Janela se revela uma obra surpreendente e inspiradora, ao retratar uma escola que abre espaço para crianças diversas, oferecendo não apenas educação, mas respeito e humanidade, o filme propõe um olhar esperançoso em meio às limitações culturais e históricas do Japão.
Baseado na obra autobiográfica de Tetsuko Kuroyanagi, a narrativa começa quando Totto-chan é expulsa da escola pública por não se adequar aos padrões rígidos da instituição. Sua mãe, percebendo que a filha precisa de um espaço mais livre e acolhedor, a leva até o diretor Kobayashi, responsável pela Tomoe Gakuen. Ali, Totto-chan encontra um ambiente único, onde professores incentivam a curiosidade, a criatividade e a amizade entre alunos com diferentes origens e condições.
A menina se torna amiga de um garoto com poliomielite, convive com colegas que falam outros idiomas e aprende que cada criança tem algo extraordinário a oferecer. Mesmo em meio ao contexto da Segunda Guerra Mundial, a escola cria uma bolha de afeto e aprendizado, até ser tragicamente destruída por um bombardeio. Ainda assim, a mensagem deixada por Kobayashi e pela experiência de Totto-chan permanece, o valor da educação inclusiva e do respeito à singularidade de cada criança.
O roteiro de Totto-chan: A Menina da Janela é envolvente, desenvolvendo com delicadeza tanto a protagonista quanto os personagens secundários. Cada criança tem sua própria voz e espaço dentro da narrativa, o que enriquece a história e torna a escola Tomoe um microcosmo vivo e palpável. Mais do que uma obra sobre infância, o filme é um retrato fiel das contradições do Japão no início do século XX – um país que, ao mesmo tempo em que se abria para novas ideias, se via enredado em rigidez social e nos rumos militaristas que culminariam na guerra.
Visualmente, a animação é um espetáculo. O cuidado com a direção de arte e as expressões faciais dá vida às emoções das crianças de forma genuína e calorosa. Um dos pontos altos é a forma como a linguagem visual muda para retratar os sonhos e pensamentos infantis, cores mais vibrantes, traços mais fluidos e atmosferas lúdicas que ampliam o olhar da narrativa para além do cotidiano escolar, convidando o espectador a enxergar o mundo através da imaginação de Totto-chan.
O roteiro emociona sem jamais ser apelativo, equilibrando dor e esperança. A história de uma escola que acolhe aqueles que seriam marginalizados em outros contextos soa profundamente atual, e a força de Kobayashi como educador inspira pela coragem e pela sensibilidade em ver o extraordinário no ordinário. Há melancolia, principalmente ao se aproximar o desfecho, mas também há um sentimento de esperança que aquece o coração do público.
Totto-chan: A Menina da Janela é uma obra delicada e poderosa. Retrata um momento de calmaria antes da tempestade que foi o Japão da Segunda Guerra, equilibrando nostalgia, crítica social e ternura. Mesmo ao abordar a perda e a dor de uma época, o filme transmite uma mensagem de esperança, a crença de que a educação pode ser uma força transformadora, e que tratar cada criança com dignidade e amor é o primeiro passo para um mundo melhor.