SALADA CAPRESE I see dead people

Superman

Com quase 90 anos de existência desde sua criação em 1938, o Superman é mais do que um super-herói — é um espelho dos tempos. A cada geração, diferentes equipes criativas, tanto nos quadrinhos quanto no cinema, moldaram sua figura para refletir as tensões e aspirações do mundo em que viviam. No cinema, vimos o ideal de masculinidade virtuosa dos anos 70 com Christopher Reeve, o saudosismo melancólico de Brandon Routh nos anos 2000, e o Superman sombrio e desesperançoso de Henry Cavill, em sintonia com o cinismo pós-11 de setembro. Agora, James Gunn e David Corenswet nos entregam o Superman que o mundo precisa em 2025: um símbolo de fé na humanidade, que acredita que a gentileza é o maior ato de rebeldia possível num mundo tomado pelo ódio e pela indiferença.

Superman, o primeiro filme oficial do novo Universo DC (DCU), é também o ponto de virada definitivo entre o antigo DCEU (2013–2023) e essa nova etapa batizada de “Deuses e Monstros”. E ele chega com coragem, não apenas para reimaginar o personagem com alma e leveza, mas também para se posicionar politicamente. A trama traz alegorias afiadas e pertinentes, como o conflito entre a Borávia, um país armado, rico e alinhado com interesses norte-americanos, e Jarhanpur, nação mais pobre e oprimida que se torna alvo de invasão e massacre. Quando Superman intervém e protege civis em Jarhanpur, uma crise diplomática se instala, ecoando claramente os conflitos entre Israel e Palestina.

Outra camada política está no tratamento dado à questão migratória. Lex Luthor, vivido com maestria por Nicholas Hoult, representa o medo do “estrangeiro”, não por acaso, seu ódio pelo Superman é alimentado por fake news e campanhas difamatórias financiadas por ele próprio. Luthor, aqui, é a síntese do bilionário americano que manipula a opinião pública, apoia regimes autoritários e lucra com a guerra. É, sem dúvida, a versão mais complexa e ameaçadora já vista do personagem no cinema.

David Corenswet está impecável no papel-título, e sua performance brilha por equilibrar com precisão as três camadas do personagem: o Clark Kent desajeitado do Planeta Diário, o Superman confiante e inspirador, e o Clark real, aquele que vive o dilema entre duas identidades, inseguro e com um coração genuinamente bondoso. A química com Rachel Brosnahan, que interpreta uma Lois Lane perspicaz, é de longe uma das mais convincentes já vistas no gênero, rivalizando com o casal Gwen/Peter dos filmes de Andrew Garfield.

Visualmente, Superman é vibrante e cheio de personalidade. James Gunn não foge das raízes pulp e coloridas dos quadrinhos, e constrói um filme que remete à Era de Prata, mas com temas políticos profundos e relevantes. É uma prova de que não é preciso uma estética sombria para tratar de questões sérias, basta talento e coragem narrativa.

A Gangue da Justiça, equipe secundária que inclui heróis como o Guy Gardner de Nathan Fillion e o Senhor Incrível, traz um frescor cômico e humano à trama. Fillion brilha ao captar perfeitamente o espírito insolente do personagem, e o Senhor Incrível rouba a cena com carisma e sagacidade. É evidente que a inspiração vem da Liga da Justiça cômica de Keith Giffen, e funciona muito bem. O ponto fraco, no entanto, é a Mulher-Gavião de Isabela Merced, que carece de tempo de tela e desenvolvimento.

A trilha sonora é outro acerto de Gunn, que mistura de forma respeitosa a clássica composição de John Williams com faixas contemporâneas e emotivas. A “playlist” é mais contida que em Guardiões da Galáxia, mas ainda assim cheia de personalidade, dando o tom certo a cada cena.

No fim, Superman é mais do que uma reintrodução do herói. É uma declaração de princípios. Corajoso, sensível, politizado e, acima de tudo, esperançoso, o filme é um dos melhores exemplares do gênero de super-heróis já produzidos. Uma estreia brilhante para o novo Universo DC e um lembrete poderoso de que ainda vale a pena acreditar na bondade, mesmo (ou especialmente) quando tudo ao redor parece querer o contrário.

Autor:
🗺️Historiador, professor e criador de conteúdo focado em quadrinhos e mangás.