Essa é a quinta adaptação cinematográfica do Quarteto Fantástico, e sua trajetória até aqui tem sido, no mínimo, turbulenta. A versão de 1994 foi tão mal conduzida que nunca sequer chegou a ser lançada oficialmente. Já o reboot de 2015, que se inspirava livremente na versão Ultimate dos quadrinhos, fracassava tanto como adaptação quanto como obra de ficção científica, entregando um filme sombrio, desconectado e sem alma. Os dois filmes dirigidos por Tim Story nos anos 2000 tinham seus problemas de tom e narrativa, mas acertavam no essencial: o elenco funcionava como uma família, algo que está no cerne desses personagens.
Agora, em Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, sob a tutela da Marvel Studios e com direção de Matt Shakman, o grupo finalmente encontra sua identidade no cinema. O longa consegue o difícil equilíbrio entre ser uma ficção científica repleta de conceitos cósmicos e tecnológicos de retrofuturismo, e ao mesmo tempo um drama profundamente centrado nas relações familiares que definem o Quarteto.
Na trama, acompanhamos um grupo de astronautas em missão experimental no espaço. Durante a viagem, eles são atingidos por uma tempestade de raios cósmicos que altera sua estrutura física. De volta à Terra, descobrem que adquiriram habilidades únicas — e bizarra para os padrões humanos. Reed Richards pode esticar seu corpo a níveis absurdos; Sue Storm, sua noiva, pode se tornar invisível e gerar campos de força; seu irmão Johnny é agora uma tocha humana, capaz de voar e manipular o fogo; já o piloto Ben Grimm se transforma em uma criatura rochosa de força colossal. Ao mesmo tempo em que tentam entender e controlar seus poderes, eles se deparam com uma ameaça cósmica que coloca em xeque a existência da Terra: Galactus.

O maior trunfo do filme está no elenco, e em como cada integrante do Quarteto é tratado com cuidado e profundidade.
Pedro Pascal entrega um Reed Richards mais caloroso e humano que os anteriores, mas ainda obcecado pela ciência, especialmente diante da urgência e das implicações cósmicas do roteiro.
Ebon Moss-Bachrach, como o Coisa, é o elo emocional com o público. Suas interações com a famosa Rua Yancy, direto das páginas dos quadrinhos, são tocantes e ajudam a humanizar o personagem além de sua aparência monstruosa que contrasta com seu ar melancólico.
Joseph Quinn, como Johnny Storm, surpreende. Ele mantém a arrogância e o carisma típicos do Tocha Humana, mas aqui com camadas emocionais inéditas, assumindo o protagonismo de forma orgânica em alguns momentos sem destoar do grupo.
Mas quem realmente conduz a trama é Vanessa Kirby como Sue Storm. Pela primeira vez no cinema, a Mulher Invisível é retratada como a figura diplomática e emocionalmente estável do grupo, forte, sensível e a mais poderosa do Quarteto quando sua família é ameaçada. Kirby domina a tela em cada aparição, tornando Sue o coração do filme.
Os efeitos especiais, ponto de crítica em diversas produções recentes da Marvel, estão excelentes aqui. O visual do Coisa é incrivelmente convincente, transmitindo peso, textura e emoção com naturalidade. A Surfista Prateada, que também dá as caras no filme, está deslumbrante, quase etérea. E Galactus, o tão aguardado vilão, surge com uma estética fiel às HQs, mas reinterpretada de forma a funcionar em um universo cinematográfico mais realista. Ele é imenso, ameaçador e sua simples presença causa desconforto, como deveria.
Diferente de outros vilões recentes do MCU, Galactus representa uma ameaça genuína. Sua iminente chegada afeta não só o planeta, mas abala o Quarteto em seus pilares pessoais e morais. Há tensão real, e o roteiro não apela para soluções mágicas ou reviravoltas fáceis: as decisões tomadas pelos personagens fazem sentido, e a conclusão, embora épica, é coerente e emocionalmente satisfatória.
Embora faça parte do MCU, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos funciona de forma completamente isolada. Poderia muito bem servir como reinício para todo o universo Marvel, caso fosse essa a intenção. É um filme visual e emocionalmente poderoso, com homenagens visíveis à obra de Jack Kirby, que inspirou toda essa mitologia.
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é o melhor filme da Marvel em anos. Inteligente, emocional, visualmente impactante e, acima de tudo, fiel ao espírito dos personagens. Um épico de ficção científica com alma de drama familiar. Finalmente, a Primeira Família da Marvel recebeu o tratamento que merece.