SALADA CAPRESE Toto, I have a feeling we're not in Kansas anymore.

Predador – Terras Selvagens

Em 1989, a editora americana Dark Horse iniciou as publicações das histórias em quadrinhos da franquia Predador, expandindo o universo desse icônico personagem muito além do que foi mostrado no longa original estrelado por Arnold Schwarzenegger. Foi nos quadrinhos que surgiram conceitos fundamentais como o código de honra dos caçadores, os ritos de passagem, os clãs e até o nome da espécie desses seres: os Yautja. Por isso, o novo filme da franquia, Predador: Terras Selvagens (Predator: Badlands, no original), dirigido por Dan Trachtenberg, é tão impactante para os fãs, ele finalmente traz todos esses elementos para o live-action, canonizando uma parte essencial do vasto material que a Dark Horse desenvolveu ao longo das décadas.

Predador: Terras Selvagens se passa em um planeta remoto, no futuro, onde um jovem predador, Dek, foi rejeitado por seu clã e para recuperar seu prestigio, se prontifica a ir atras da caça mais temida entre os Yautja. Em meio a uma terra hostil, ele encontra uma improvável aliada em Thia (Elle Fanning), uma android que também luta por sobrevivência. Juntos, os dois precisam aperfeiçoar suas habilidades para se proteger e completar uma missão que pode restaurar o respeito perdido de Dek.

Em fevereiro de 2024, foi revelado que o longa seria um projeto independente dentro da franquia, com roteiro de Patrick Aison (de Prey, 2022). Trachtenberg citou influências que vão de Frank Frazetta e Terrence Malick a Conan, o Bárbaro, Mad Max 2 e até Shadow of the Colossus, o que explica o tom quase poético e existencialista de Terras Selvagens. Ambientado no mundo utilizado para um ritual de passagem dos Predadores, o filme mostra elementos de sua cultura e linguagem, desenvolvida especialmente por um linguista que também trabalhou no idioma Na’vi de Avatar (2009). O protagonista Dek é interpretado por Dimitrius Schuster-Koloamatangi, que aprendeu a língua Yautja para o papel, e cuja atuação corporal é um dos grandes destaques do filme.

Diferente dos longas anteriores, que seguiam a fórmula de filmes “slasher”, Predador: Terras Selvagens abandona quase totalmente o terror e abraça a ficção científica épica. Essa mudança pode causar estranhamento em parte do público mais tradicional, mas é inegável que ela amplia as possibilidades narrativas do universo Yautja. O filme aposta na construção de mundo e no desenvolvimento de personagens, algo raro na franquia, o que torna a experiência mais emocional e imersiva.

Um ponto que pode dividir os fãs é a relação entre Dek e Thia. A parceria entre um predador e uma androide da corporação Weyland-Yutani (empresa símbolo da franquia Alien) adiciona uma camada de humanidade e até de ternura à narrativa. Essa dinâmica evoca o tropo do found family, em que personagens desajustados encontram pertencimento um no outro — algo inusitado, mas que funciona surpreendentemente bem dentro da proposta. Além disso, a presença da Weyland-Yutani sugere futuras conexões com a série Alien: Earth, reforçando o potencial de integração entre os dois universos.

No campo técnico, o filme é impecável. A ambientação no planeta selvagem é visualmente deslumbrante, uma mistura de exotismo e brutalidade com fauna e flora concebidas de maneira inventiva. Os efeitos especiais equilibram com maestria CGI e efeitos práticos, resultando em cenas visualmente ricas e convincentes. As sequências de ação são intensas, coreografadas com clareza e ritmo, entregando um espetáculo visual sem abrir mão de coerência narrativa.

Buscando se afastar do saudosismo, Predador: Terras Selvagens pode ser considerado um dos melhores longas da franquia. O roteiro é coeso, as atuações são fortes e o universo dos Yautja é expandido de maneira inédita. Embora os fãs mais nostálgicos possam sentir falta da abordagem voltada ao terror, é justamente essa ousadia em explorar novos caminhos que mantém a saga relevante.

Mais ficção científica do que terror, Predador: Terras Selvagens soa quase como um “Star Wars no universo de Predador”, e isso está longe de ser um problema. Pelo contrário, mostra que a franquia tem potencial para abrigar tramas de diferentes gêneros dentro de seu vasto e fascinante universo.

Autor:
🗺️Historiador, professor e criador de conteúdo focado em quadrinhos e mangás.