SALADA CAPRESE quer ketchup?

Make a Girl

Baseado no curta independente Make Love (2020), vencedor do 29º Concurso de Animação CG do Japão, Make a Girl marca a estreia do animador Gensho Yasuda em um longa-metragem. O projeto nasceu de uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo, que ultrapassou a meta inicial de 10 milhões de ienes e arrecadou quase 24 milhões, um feito notável para uma produção autoral em 3DCG. Com vozes conhecidas do público de anime, como Atsumi Tanezaki (Frieren), Shun Horie (Rent-a-Girlfriend) e Sora Amamiya (Konosuba), o filme chega aos cinemas brasileiros pela Sato Company em 13 de novembro.

A história acompanha Mizutamari Akira, um jovem solitário e emocionalmente abalado que, em busca de amor e conexão, cria uma companheira artificial chamada No. 0, programando emoções e sentimentos humanos nela. A partir desse vínculo, a narrativa se transforma em uma reflexão sobre os limites entre a criação e o criador, entre o que é genuinamente humano e o que é apenas simulado.

Com uma premissa que remete ao clássico oitentista Mulher Nota 1000, mas com o charme “kawaii” característico das animações japonesas, Make a Girl começa como uma ficção científica simpática e até leve, mas gradualmente ganha densidade dramática. Yasuda conduz a trama de forma emocional, ainda que o filme levante questões potencialmente problemáticas para o público ocidental, especialmente por romantizar a ideia de uma mulher “perfeita” criada sob controle masculino, um tema que, embora crítico na intenção, pode soar ambíguo em sua execução.

O desenvolvimento da narrativa é gradativo e envolvente, revelando aos poucos o passado de Akira e a relação marcante com sua mãe falecida, o que ajuda a entender sua solidão e suas motivações. No entanto, o roteiro falha em dar o mesmo tratamento aos coadjuvantes, o que enfraquece o mistério introduzido no segundo ato. Personagens secundários surgem mais como instrumentos de enredo do que como figuras com peso dramático, e isso acaba diluindo o impacto emocional da reta final.

Outro ponto pouco explorado é a própria sociedade retratada. O longa dá a entender que se passa em um mundo altamente tecnológico, mas os impactos sociais e éticos dessa tecnologia são superficiais. Akira, por exemplo, é tratado com uma normalidade que destoa de sua posição central no avanço tecnológico, o que reduz o senso de consequência e escala do universo que Yasuda tenta criar.

Por outro lado, Make a Girl acerta ao tocar em questões sociais reais do Japão contemporâneo. A solidão crescente, a baixa taxa de natalidade e o isolamento emocional masculino, temas que têm inspirado fenômenos como o casamento com personagens virtuais são alegorizados aqui com certa sensibilidade. Ainda assim, há um conflito moral não resolvido: o filme tenta desconstruir essa idealização no desfecho, mas o faz de maneira tímida, sem a contundência necessária para tornar sua crítica plenamente eficaz.

Visualmente, Make a Girl é impressionante dentro de seu orçamento. A animação 3DCG é fluida, com boa direção de arte e um design que mescla delicadeza e melancolia. Apesar disso, a obra não apresenta grandes inovações estéticas ou narrativas para o cinema de animação japonês ou mundial. Suas ideias ecoam títulos anteriores como Chobits ou Time of Eve, mas sem alcançar a mesma profundidade filosófica ou o mesmo impacto emocional.

No fim, Make a Girl é um filme simpático, tecnicamente admirável e emocionalmente honesto, mas que carece de ousadia para se destacar em um gênero já saturado de reflexões sobre tecnologia e humanidade. Ainda assim, é admirável ver um projeto independente financiado coletivamente chegar aos cinemas com tamanha qualidade e sensibilidade.

Autor:
🗺️Historiador, professor e criador de conteúdo focado em quadrinhos e mangás.