O poster de Jeanne Dielman, filme belga de 1975, que chega com cópia restaurada aos cinemas no dia 11, tem um dos blurbs mais impressionantes que eu já vi. Blurb, caso você não saiba, são pequenas frases – normalmente publicadas na imprensa -, que servem de chamariz para o público. São invariavelmente positivas, claro. E essa não poderia ser mais positiva, pois, segundo o Sight and sound, trata-se do “MELHOR FILME DE TODOS OS TEMPOS”. É com essa afirmação retumbante em mente, que assistimos às três horas e meia de projeção.
E acredite: apesar da longuíssima duração, não é nada complicado resumir o filme. Basicamente, acompanhamos a rotina de uma dona de casa belga. São tomadas longuíssimas dela cozinhando, lavando o banheiro, preparando o café da manhã, toda a rotina da manhã, tarde e noite é mostrada em detalhes rigorosos. Em takes longos. Monótonos. Aí, uma hora nossa heroína dorme, e tudo recomeça no dia seguinte. Os mesmos takes. Muitas vezes, os mesmos diálogos. Tudo isso por 195 minutos ou três dias da vida de Jeanne.
A câmera é sempre estática. O único zoom acontece na cena final. Com um detalhe curioso: sem nenhuma música que não seja o barulho produzido pela própria rotina da protagonista. O único som é quando os nossos heróis ligam o rádio na hora do jantar. Lá pelas tantas, alguém deixa um bebê na casa de Jeanne. A gente logo entende que ela está cuidando da criança enquanto a mãe não volta do trabalho. O bebê chora bastante. Será que o desespero da criança ecoa o desespero do público? Fica a pergunta no ar.
Nas conversas com o filho, temos um fiapo de roteiro. A gente descobre que ela é viúva e que conheceu o seu marido na segunda guerra mundial, sendo ele um dos soldados que vieram livrar a França do jugo nazista. Ela tem parentes morando no Canadá que compartilham a sua vida por lá por carta. E é basicamente isso. Não precisa me agradecer. Para ser justo, uma das atividades de Jeanne não é muito convencional para uma mulher de classe média. Mas eu não vou dizer qual. Não quero estragar a experiência de quem ficou curioso com o filme eleito pela Sight and sound como o melhor de todos os tempos.
Apenas por curiosidade: no ano de lançamento de Jeanne Dielman, 1975, o vencedor do Oscar foi O poderoso chefão 2. Os cinéfilos puderam conferir as estreias de Tubarão, do Spielberg, Um estranho no ninho, Um dia de cão e Monty Python – em busca do cálice sagrado, entre outras joias cinematográficas totalmente eclipsadas por este clássico belga.
Dito isso, uma pergunta se impõe: a Sight sound poderia ter errado sua avaliação e a película em análise ser, na verdade, a pior de todos os tempos? Sinceramente, não gosto de afirmações retumbantes. O melhor e o pior são sempre escolhas individuais. Recentemente, este resenhista assistiu o filme do Silvio Santos, estrelado pelo Rodrigo Faro e, despontando no horizonte, temos outro, agora com Leandro Hassum no papel título. É prudente não se precipitar. Não quero correr o risco de ganhar o título de pior crítico de cinema de todos os tempos.